terça-feira, 16 de junho de 2009

De que adianta? [2]

Sou um predestinado.
Sempre gostei do sofrimento. Eu me comprazia a exacerbar minhas decepções, meus pensamentos amargos; a comunicação torta entre meus pais e mim, a incompreensão das outras crianças, em geral cruéis e limitadas, com as quais eu não podia, portanto, almejar qualquer cumplicidade, numa indiferença que se prolongou até o final da minha adolescência, quando compreendi que era melhor aparentar saber menos que os outros, tudo aceitar, fazendo ar de idiota... Foi mais ou menos por essa época que comecei a pressentir que a vida era absurda, o que me foi confirmado por um sem-número de leituras, que eu estava cutucando o mal-estar, que a pergunta “de que adianta?” aparecia cada vez mais, tornando-se intolerável, essas diversas corrupções do ser humano no qual queria acreditar; o buraco negro do futuro que levaria inexoravelmente à morte, e o buraco negro da verdade, e outras reflexões do gênero contra as quais eu nem sequer procurava lutar.
Hoje, ignoro todo esse desespero que urra, conta o qual nada posso.