segunda-feira, 15 de março de 2010

A Morte do cartunista Glauco e o filho

O crime que repercutiu em toda a mídia, história de vida e a competência de um profissional, e como o seu fim trágico, associado a uma seita religiosa, divergem opiniões.


O Crime

Glauco e seu filho moravam com o restante da família em uma chácara em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. O local, que além de isolado e afastado do centro, funciona a seita de Santo Daime, onde Glauco era um seguidor e um dos coordenadores do grupo.

Segundo o advogado da família, Ricardo Handro, o filho que acabara de chegar da faculdade se deparou com o pai sendo levado com a arma na cabeça e no momento de nervosismo, atiraram nos dois.
Raoni morreu a caminho do hospital, mas Glauco não resistiu. Depois disso, os corpos de pai e filho foram levados para o Instituto Médico Legal.

A Carreira

Glauco Villas Boas tinha 53 anos, e era o caçula de seis irmãos. Nasceu em Jandaia do Sul, no Paraná, mas foi morar ainda adolescente em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde começou a publicar seus desenhos num jornal local.
Ganhou projeção nacional e internacional em 1977, quando expôs seus trabalhos e ganhou prêmio no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, interior de São Paulo e em 1984 foi para o jornal “Folha de São Paulo”.
Glauco era um homem tímido e discreto e um dos cartunistas mais talentosos do país. Criou personagens inesquecíveis como Geraldão, um solteiro que mora com a mãe; o Zé do Apocalipse um profeta brasileiro que acredita que o Brasil é o berço de uma nova raça; o casal Neuras, onde o homem faz de tudo para ser liberal, mas na verdade morre de ciúme da mulher; e dona Marta, uma solteirona que ataca qualquer homem na esperança de arrumar um namorado. “Eu senti Geraldão num domingo. Sempre no domingo, eu sentia aquela solidão”, comentou Glauco em uma entrevista recente.
Glauco também era conhecido pelas charges políticas. Na Globo, foi redator da TV Colosso, da TV Pirata e assinou inúmeras vinhetas, entre elas, uma de homenagem aos 100 anos da Estação da Luz.

O presidente Lula chegou a divulgar uma nota de pesar dizendo que Glauco foi um grande cronista da sociedade brasileira.

A Investigação
Para a polícia o crime já foi esclarecido e o assassino, identificado como Carlos Eduardo Sandifeld Nunes, é um universitário de 25 anos.

Segundo a polícia, ele era amigo da família e frequentava a casa. Na data do crime, começou uma discussão, atirou contra o Glauco e em seguida, o filho Raoni que tentou controlar a situação também foi atingido.

O estudante fugiu logo em seguida ao crime em um carro.

Nesta segunda-feira (15), reafirmou que cometeu os crimes. “Eu quero só tirar a teima se eu estou louco ou se recebi uma informação divina mesmo", disse ao seguir para o Instituto Médico-Legal (IML), onde realizou o exame de corpo de delito. Ele está preso na sede da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no Paraná.

Os Depoimentos

A mulher e a enteada de Glauco e a viúva de Raoni chegaram para depor em uma delegacia de Osasco. Segundo o advogado da família, “O que a família agora quer é que seja feita justiça”.
João Pedro Corrêa da Costa, amigo de Raoni, também prestou depoimento. “Eu vi o rapaz atirar a sangue frio e percebi, inclusive, que é uma pessoa que sabia atirar e que tinha premeditado mesmo o que ele tava fazendo”, afirmou.

Felipe de Oliveira Iasi, o estudante que levou Nunes até a chácara, deverá ser ouvido novamente, pois o depoimento dele não bate com o que disseram as testemunhas ouvidas. Todos afirmaram que o jovem deixou a chácara junto com o suspeito.

O mais importante para a polícia, é detenção de Carlos Eduardo.“Ele, no mínimo, vai responder por 3 crimes: duplo homicídio aqui em São Paulo, roubo ao veículo também em São Paulo, a tentativa de homicídio e outros crimes que o delegado pode ter apurado lá em Foz do Iguaçu”, afirmou o delegado Archimedes Veras Júnior.

O suspeito foi preso na noite de domingo (14) na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Durante a perseguição, ele trocou tiros com os policiais e feriu um agente. A arma foi a mesma usada para cometer os crimes e roubar o carro usado na fuga.

A Confissão
A defesa de Nunes questiona a validade da confissão feita à Polícia Federal do Paraná e a equipes de TV. No vídeo, Nunes confessa o crime, cometido sexta-feira (12), em Osasco. “O estado dele [Nunes] não aparenta normalidade, o que leva dúvidas sobre a validade da confissão”, disse o advogado Gustavo Badaró. “Toda confissão é um ato de vontade livre, mas naquela imagem da TV ele estava alterado. Por isso, não posso afirmar que ele realmente confessou o crime.”, completa.


A Justiça
Segundo o delegado Alberto de Freitas Iegas, da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no Paraná, o estudante universitário Eduardo Sundfeld Nunes foi autuado em flagrante pelos crimes de tentativa de homicídio, receptação de veículo roubado e porte ilegal de arma de fogo. De acordo com ele, caso seja condenado apenas pelos crimes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, ele pode pegar pena de até 30 anos de prisão.
"Não é anormal as pessoas quererem passar com veículo roubado para o Paraguai, mas não motivados como esse cidadão que se escondeu no mato. Realmente dá um roteiro de cinema", afirmou Iegas, que já está a 15 anos na PF e já presenciou inúmeras tentativas de fuga pela fronteira com veículos roubados.

O inquérito da prisão de Nunes deverá tramitar na 2ª Vara Criminal Federal de Foz do Iguaçu. Além disso, ele vai responder a inquérito da Polícia Civil de São Paulo e também teve a prisão temporária de 30 dias decretada pela Justiça paulista.

A Fuga
Uma hora antes da prisão, a cerca de 20 km da fronteira com o Paraguai, Nunes resistiu a uma tentativa de abordagem feita pela Polícia Rodoviária Federal. Ele circulou por bairros vizinhos à ponte tentando achar o melhor momento para sair do território brasileiro. Ao tentar cruzar a ponte, foi abordado em uma operação de rotina por um policial federal e reagiu atirando.

"A troca de tiros foi na ponte, ainda em território brasileiro. Ele passou pela Polícia Rodoviária Federal a cerca de 20 km antes de chegar à ponte. Os policiais tentaram abordar, mas ele fugiu. Ele ficou trafegando por bairros próximos da ponte, que fica em área urbana. Depois de uma hora ele tentou passar peara o Paraguai. Foi no momento em que o polícial federal mandou ele encostar e ele atirou", contou o delegado

A pistola 765 estava com o pente carregado de balas e era a mesma utilizada no crime. O carro roubado que Nunes usava tinha marcas de tiro, mas o delegado diz que só o exame de balística vai determinar a trajetória das balas.

O delegado afirma também que no momento da prisão, Nunes apresentava voz firme e parecia lúcido. "No momento ele falava bem, estava com fala firme. A questão é saber se essas ideias são provenientes de uma mente capaz ou não. Ele falou tudo com precisão sem demonstrar nada demais. Mas ora ele relatava tudo em detalhes, ora dizia que motivo é Jesus", afirmou o delegado.


A Seita
João Pedro Corrêa da Costa, que estava presente no momento do crime, disse que Nunes teria dado três tiros para o alto “em comemoração”, depois de ter cometido o duplo homicídio.
“Vi que era um rosto familiar e, no início, achei que fosse uma brincadeira, um trote. Quando vi que estavam atirando de verdade, fugi e me escondi no banheiro”, afirma Costa, que diz ter sido alvejado pelo suspeito. “Ele só não me acertou porque eu estava distante uns cinco ou seis metros.” Ele, que frequenta os cultos da igreja Céu de Maria, afirmou que mataram seus melhores amigos e seu líder espiritual (Glauco era fundador e coordenador da igreja, que segue a doutrina do Santo Daime.).

A religião do Santo Daime é uma doutrina cristã ao qual faz uso religioso do ayahuasca, uma bebida de origem ameríndia, feita à base de plantas tipicamente amazônicas e que possui capacidades enteógenas, ou seja, desperta o seu Eu superior.
Após 20 anos de luta pela legalização e estudos científicos, o ordenamento jurídico brasileiro autorizou o uso da ayahuasca para fins religiosos, em nome da liberdade de culto religioso e seu caráter cultural indígena, vide RESOLUÇÃO Nº 1 do CONAD (Conselho Nacional de políticas sobre drogas).
Segundo a jornalista pesquisadora do Santo Daime, Caroline Barros, “Tentar convencer a população que tal bebida causa alucinações no usuário, e que o suspeito cometera os crimes porque era daimista, além de ser um absurdo, é desrespeitar a dor da família de Glauco, e de sua religiosidade.”, afirma.
Segundo ela é como se dizer que um padre pedófilo, ou pastores traficantes de armas representam fielmente as doutrinas de suas respectivas religiões.
O CONAD, que é composto por médicos, psicólogos, antropólogos, dentre outros profissionais, chegaram à conclusão de que a ayahuasca não causa danos à saúde. Que tem função curativa, dentro do contexto religioso. Além disso, usuários de substâncias psicoativas, não estão autorizadas a participar do ritual com Ayahuasca.
Há testemunhos de que Nunes fora afastado das atividades no Santo Daime, devido a um tratamento para se livrar da dependência de drogas.


Por Orlando Olivas